segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

músicos poetas

Gosto de escrever desde muito cedo e, por isso, admiro demais bons escritores, que têm o dom de unir palavras que poucos  sequer imaginariam que, juntas, teriam tanto sentido. Sou muito fã de inúmeros deles e, na música, elegi alguns compositores que, pra mim, fazem letras que transbordam as músicas e, por isso, são meus poetas musicais. Renato Russo e Cazuza estão no topo da minha lista, seguidos por Cartola, Totonho Villeroy, este uma recente descoberta minha, e pelo nosso tão porto-alegrense  e, nem por isso menos genial, Nei Lisboa.
Eles possuem o talento de brincar com as palavras de tal forma que fico ouvindo e sonhando mesmo com aquelas rimas bem colocadas, com uma sutileza especial. Devo confessar que andei esquecendo um pouco do Nei e que, quando há um mês atrás o Juremir Machado, outro de  quem sou fã, elogiou-o enfaticamente em uma de seus textos, redescobri o Nei com mais intensidade.
Pra completar o encanto desse reencontro, semana passada fui num show do Nei Lisboa nos jardins do Solar dos Câmaras, em meio a árvores grandiosas e a um vento forte, bem primaveril. A poesia estava mesmo no ar. A música do Nei, seu carisma, o prédio cor de rosa do solar, as árvores balançando e um gelo seco “voando” do palco.  No final do ano, um sarau assim, em meio a tanta paz e beleza, é um oásis em meio ao movimento do centro, às festas incessantes e à característica depressiva do período.
Este sim foi um presente incrível, que mais do que trazer paz e romantismo, permitiu ao público se transportar a um mundo peculiar, que começa nos Telhados de Paris, passa pelo Cine Avenida e termina no Bom Fim. 
                                           foto: Marcelo Bertani - AL

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

paixão vermelha

     

       Paixão não se explica, simplesmente explode de uma hora pra outra e não tem jeito de segurar. Quando se vê, se está ali, refém daquela sensação de arrebatamento, de euforia, quase que anestesiado... Quem gosta de futebol vive essa mesma sensação, mas não apenas nos seis meses que os especialistas garantem que dura uma paixão, mas pela vida toda. A diferença é que os momentos de euforia tomam conta do apaixonado pelo seu time durante todo o ano. Seja no campeonato regional, seja num jogo contra um baita time, contra o maior rival, seja num momento de crise... Agora, um campeonato como a Libertadores e o Mundial de Clubes levam qualquer torcedor a um estado de êxtase sem igual.
        Os colorados vivem, a partir de hoje, e esta colorada se inclui, aqueles momentos cegos da paixão. Nada pode acalmar um coração neste estado, somente gols, e a espera por eles se compara às horas de espera pelo ser amado, mas a angústia é infinitamente maior. E a passionalidade neste caso, ultrapassa os limites do bom senso, da convivência em grupo. Nem pense em pedir calma a uma pessoa neste estado de nervosismo.  É por isso que aconselho os chefes dos colorados a dispensarem estes seres vermelhos na tarde de hoje ou, simplesmente, terão de compreender seus atos.
        Perdoem suas camisetas vermelhas em plena terça-feira, desculpem sua distração e seus equívocos, compreendam que paixão assim a gente não controla, e se ela nos arrebata depois de quatro anos pela segunda vez, os efeitos são ainda mais arrebatadores e imprevisíveis: de repente, uma nuvem vermelha pode cobrir o Rio Grande e os gritos de gol serão como poesia declamada por todos esses rincões farroupilha.







    

sábado, 11 de dezembro de 2010

da janela do meu quarto

             ...da janela do meu quarto, nos altos da joão alfredo, eu vejo uma cidade que brilha, uma cidade de céu azul e rosa, uma Porto Alegre que me orgulha com a imensidão de seu rio,      de seus prédios sinuosos, iluminados... uma cidade que me faz sonhar.  E me faz imaginar que um dia, ao sair do meu prédio eu possa ver menos tristeza no rosto dos mendigos e moradores de rua (os daqui das redondeza já considero amigos),  ver  menos lixo  e sujeira nas calçadas, menos violência, menos desrespeito ao ser humano. A cidade baixa , este bairro que une história e vanguarda, que tem a minha cara  e meu jeito - apaixonado, emocionado, determinado -onde misturam-se os sons do canto dos sabiás, dos carros embalados por lady gaga, das crianças alegres nas escolas, do sino do pão dos pobres... perto de tudo e longe da arrogância e da cegueira desta capital. Talvez a vista da minha janela seja mesmo uma visão de sonhos, de um bairro que não se contenta em si, que tem espaço pra todas as classes sociais e de onde nasceram muitas lutas por uma porto alegre ideal, onde a cidade baixa e a alta se integrem, e que não seja apenas nos bares da joão alfredo ou nas missas da igreja de santo antônio...


sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

requentadas no micro-ondas - textos escritos em 2006

Juliana camisa 12

Camisa 12. Esta era a preferida de Juliana. A camiseta do seu time do coração: o Inter. E ela não perdia nenhum jogo decisivo. Ju começou a ir ao Beira-Rio ainda pequenina levada pelo seu avô, torcedor apaixonado. Ele tinha estado presente na inauguração do estádio do Colorado, como chamava carinhosamente o time pelo qual torceu até bem velhinho, quando, não podendo mais ir ao campo, acompanhava os jogos segurando o rádio pertinho do ouvido. Juliana guarda até hoje a almofada que seu avô levava às arquibancadas, com o símbolo antigo do Inter.
        Quando Ju começou a acompanhar o vô Dirceu, meninas em jogo de futebol eram raras, mas isso foi mudando aos pouco, e agora as mulheres amenizavam o clima de descontrole dos marmanjos com charme e delicadeza. Não que algumas não perdessem a linha e xingassem o juiz em alguns lances. Mas isso se restringia a ele, a mãe do juiz, elas poupavam.
        Pois foi no meio do Beira-Rio lotado que Juliana quase foi expulsa por atitude agressiva. Deu um esbarrão daqueles em outro torcedor e caiu sentada. Assim que se refez do susto, Ju respirou e olhou para cima. Foi quando sorriu aliviada, pensando "finalmente esse meu jeito desastrado serviu pra alguma coisa." A "coisa" em questão era um moreno de 1,85m, cabelos levemente compridos, pretos, ao estilo de Fernandão, o craque de seu time.
        Pra sua felicidade, o atingido também era um gentleman. Ajudou Juliana a levantar, perguntou se tinha se machucado e tudo mais. Ela quase aproveitou toda aquela gentileza e fingiu um desmaio, mas achou que era abusar da oportunidade que o destino estava lhe dando. Agradeceu, se desculpou e já ia saindo, quando ele disse que fazia questão de pagar uma cerveja. No jogo. As muitas outras eles beberam depois num bar da Lima e Silva, curtindo o gostinho duplo de vitória.
        E ficou combinado. Seja qual fosse o resultado do Inter na Libertadores, eles continuariam indo ao Beira-Rio sempre. Juntos? Não necessariamente. Agora que fez 31 anos, a Ju decidiu selecionar bem quem deve virar titular do seu coração colorado. Analisa bem o físico, mas principalmente a adaptação a campos adversos, como a casa da sogra e a cozinha.  Se não fizer gol em alguns desses campos, não emplaca. Só mesmo quem tiver preparo até o final do campeonato é que tem chances de virar titular da seleção da Juliana. Sei não, mas em ano de Copa, é melhor o Parreira tomar cuidado, ou essa moça, com todos esses critérios, pode acabar tirando o lugar dele... 


Clara sem vocação pra Santa

        Clara adorava malhar. Era louca por academia. Tinha paixão por esteira, transport, leg press, halteres coloridinhos. E era cdf. Malhava todo dia,  com chuva, sol, calorão ou o maior frio, lá ia ela. Às vezes, até batia uma preguicinha, mas ia mesmo assim e saía de lá a mil. Com outro astral. Ela sabia que era um vício. Dos mais saudáveis. Por mais estressada que estivesse, dava uma corridinha e ficava anestesiada!! No mundo da lua.
        Mas nesse ano a academia estava deixando a Clara tonta. De tanto malhar? Não, não. O motivo era outro – bem diferente por sinal.  A sala de musculação vinha sendo freqüentada a cada dia por menos mulheres, que preferiam aula disso e daquilo a “puxar ferro”. Mas Clara não abria mão daquela modalidade que tinha deixado seu corpo definido e bem mais durinho. Ainda mais agora, depois dos 30!!! Resultado: Clara fazia musculação rodeada de muitos e muitos homens. Não que seus colegas fossem bonitos, atraentes, mas o fato é que alguns deles, não eram de se jogar fora. Bah! Não eram mesmo.
        No entanto, aquilo que poderia parecer um sonho para grande parte das mulheres, para Clarinha era, no mínimo, perturbador! Ela toda tímida, ali, sozinha sob olhares masculinos penetrantes. Clara não sabia pra onde olhar e, pior, não sabia como esconder as curvas de seus quadris. Desde pequena ela sempre soube qual era seu ponto forte, e era justamente isso que mais a incomodava. Afinal, ela era uma mulher inteligente, muito mais que um bumbum arrebitado, tipicamente brasileiro, preferência nacional.
         Fora isso tinha outra coisa que tirava a Clarinha do sério. Principalmente neste momento, em que ela estava sem namorado. Homens, homens e mais homens. Dos mais diversos estilos, estaturas, portes. Loiros, morenos, cabelos crespos, lisos, raspados...
        E Clara ficava ali no meio daquele monte de brações – e olha que ela adorava um par de braços fortes.  E um tórax bem-definido, então? Mas mantinha-se fria, indiferente, como se não estivesse nem aí. Olhava pra um lado: um moreno de 1,80m, cabelos longos na medida, um ar de Don Juan; virava pro outro: um surfistinha, cabelos encaracolados, jeitinho angelical; olhava pra frente e enxergava um loirinho cara de anjo, cabelos arrepiados irreverentes e rebeldes, do alto de seus 20 aninhos olhando de canto pra ela pelo espelho. Ai ai ai! O que eu estou fazendo aqui? Na maior “seca”, rodeada por aqueles músculos, tatuagens, suores e muita, muiiita testosterona.
        Fazer o quê? O jeito é continuar malhando, tomar um banho frio e voltar para o trabalho. Deixar aqueles pensamentos tentadores lá na Bioflex. E amanhã... correr de novo pra musculação. Afinal, Clara nunca foi atirada, mas pra santa. Ah, pra Santa Clara, com certeza ela não servia. Ainda bem que já tem uma santa com esse nome. Clara se sentia bem mais aliviada.

Paulinha corre sem parar
 
Paula chegou em casa exausta. Tinha trabalhado o dia todo sem parar. Caixa de banco na segunda-feira era o tipo de função que ela não desejava pra ninguém. Entrou em casa, bateu a porta, jogou longe os tamancos com os próprios pés e se atirou no sofazinho de dois lugares, branco imitando couro, mas que para ela valia o mesmo que um de material legítimo, principalmente para dar essas cochiladinhas pós-expediente – garantia de relax total.
Mas por um curto tempo. Daqui a pouco era hora de calçar os tênis e partir para mais um pedaço do dia que ainda tinha seis horas. Tempo mais que suficiente para fazer musculação, dar uma corridinha na esteira, passar no super para comprar umas comidinhas light, jantar, tomar banho e secar sua cabeleira lisa, mechada de loiro. E, é claro, dar uma navegadinha pelo msn.
        Está certo que quando Paula ia dormir já era outro dia, mas nada que a derrubasse. No fundo, ela até curtia essa correria. Pelo menos ela era solteira, sem marido e sem filhos. Nem mesmo um yorkshire de presente do primo ela aceitou. Liberdade tinha um preço impagável na vida de Paulinha. E na de muitas de suas amigas: a Carol, a Denise, a Jaque, a... bom, outras optaram por uma vida mais tradicional e mais bem-aceita pela sociedade. Mas Paula nem liga. Enche o rosto de creme, veste aquela camiseta do candidato da eleição passada, de esquerda radical – disso ela não abria mão nunca – e se deita no meio da cama. Pensa, calmamente: dormir de conchinha? Até que é uma boa idéia pra noite de sábado. Mas só. Domingo ela volta a tirar do armário a camiseta do Partido Revolucionário.
       Paula suspira e dorme esparramada sonhando com Che e a revolução. Ela e suas amigas de 30 aninhos também estão fazendo a sua aos poucos. Pelo menos hoje ninguém mais é chamada de solteirona ou de balzaquiana. E as gurias de 30 podem ser facilmente confundidas com as de 20 e poucos anos.
        Solteiríssimas por opção, elas aproveitam a independência conquistada graças às lutas de suas antecessoras e nem se preocupam em ouvir frases do tipo: "não vai casar?", "mulher nasceu para ter filhos" e até a velha "antes mal acompanhada do que só". Pode ser uma decepção ou até mesmo uma afronta para alguns, mas as solteiras de hoje só não abrem mão de serem felizes.
        Já ficar com alguém pro resto da vida, só se for com um homem especial, cavalheiro, inteligente, carinhoso... Se não for assim, melhor é ficar solteira, mas sozinha... bom, aí já seria pedir demais das balzacas!!! Porque se tem coisa que as mulheres de 30 sabem fazer é aproveitar os momentos e as oportunidades.